As palavras-bússola
entretecem perenes
o enigma de existir.
Quando as oiço
toda a alma é umbral.
*
Eis uma fé agnóstica:
quando me abraças
rezo ao Deus em que não creio
e peço inaudível
que a vida caiba toda no teu peito.
*
Entro na carruagem do metro
e, do outro lado do vidro,
momentâneos no seu afastamento,
o músico de rua e o vendedor ambulante
sentam-se agora no mesmo banco
da estação vazia.
Descansam,
não mais tocando
nem anunciando.
Partilhada em silêncio
parece divina a solidão.
*
Caminho viajo
procuro pergunto
oiço comparo.
procuro pergunto
oiço comparo.
É inevitável a sentença
de eco milenar:
sou estrangeiro
de eco milenar:
sou estrangeiro
o rosto do Outro é minha pátria.
*
Em Buenos Aires o café é servido
com uma bolachinha e um copo de água.
Perante o insanável fervor
há que adoçar e diluir.
*
Judeu sem Deus,
faço da viagem
a minha permanência.
Resisto à intempérie –
recolho a pouco e pouco
a voz ténue dos vários que sou.