quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

passeios com alguma dose de aleatoriedade






às vezes ao passar enfio
as mangas nas maçanetas
ou melhor
as maçanetas nas mangas

não é surrealismo
é distração

diria Freud talvez
que assim preso concretizo
o limbo que sou

terra de ninguém
ambiguidade sem remédio
inexpugnável outro



*



compro um regador de latão
recuso o saco
levo-o na mão

olham-me estranhamente
eis sem o saco
um homem transparente




*




agora há na cidade um sistema
de bicicletas partilhadas

usamos arrumamos respeitamos
e elas ali continuam disponíveis
viagem após viagem
aguardando nova vida

pena assim não ser
com as almas




*




homem sem utopias
cínico
homem de uma só utopia
totalitário

mais vale aguardar

lutar com pequena grandeza
e nos intervalos
quando a desistência ameaça
obter ânimo no sushi all you can eat

olhar o mundo com a alma
porque às vezes um verso
esconde-se vadio
entre os sacos do supermercado

perceber enfim
é divina a transitoriedade
e uma dádiva o poema
que em território inóspito sem hora marcada
enfrenta corajoso a angústia