sexta-feira, 25 de março de 2016

um conjunto de linhas de potencial leitura numa loja do cidadão


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senhas números balcões

todos os nomes todos
os factos
todas as palavras todas
as vidas

um dia
nem eu
nem o funcionário que me atenderá
nem o concidadão que a meu lado espera
existiremos

porém subsistirá
a conservatória do registo civil –
precária ponte
entre vivos  mortos e por nascer
estendida  sobre a eternidade.




segunda-feira, 21 de março de 2016

em jeito de trava-línguas, três tristes poemas-teste





Mudou a hora.
Acertei todos os relógios da casa.
(O da cozinha, o de pulso, o despertador do quarto, o telemóvel).

Apercebi-me:
só temos dois acertos de hora por ano
para responder ao eterno sem-sentido de aqui estar.



**



Irrecuperável

Vou venho
conduzo caminho pago um bilhete.
Enquanto atrasado conto os minutos
e penso no que dizer a quem certamente me esperará
olho um qualquer espelho,
de uma casa loja carro ou ecrã,
e vejo outro,
cujos passos não são os meus
cujos gestos desconheço
cujo tempo se silencia
numa serenidade que foge e foge
nos escombros de alguém que fui.



**



Na televisão

Inundações num país do terceiro mundo,
guerras nos sítios de sempre,
o presidente francês afinal tem uma amante:
pretextos para não me lembrar da tua cara
enquanto faço do meu sofá um trono.

Aventuras de um homem só,
memória como gume.