quinta-feira, 1 de setembro de 2016

do regresso ao trabalho no caos da manhã





em hora de ponta tudo se move
bilhete autocarro carruagem trânsito buzinas
ida suor volta
passos rápidos
relógio no pulso
motoristas maquinistas passageiros
aqui ali aqui
porta trabalho mesa.

ela olha-nos
quieta
quase eterna no meio da confusão:
finitude.





segunda-feira, 1 de agosto de 2016

possibilidade




ou podemos simplesmente
dar pele à pele
como se o beijo fosse
o último grito de um roubo.





quinta-feira, 23 de junho de 2016

talvez não haja muito mais para dizer





nas mãos desta mulher
habitam todas as filosofias
num segredo último:
suor
nudez
futuro.




domingo, 22 de maio de 2016

convite





eternidade – doença da imaginação.

vem
façamos dos nossos corpos o palco
de um deus inexistente
que dança.





quinta-feira, 28 de abril de 2016

três dias depois da data - mas também a liberdade pode ser quando um homem quiser





25 de Abril

o crepúsculo esconde-te.

chegará um dia forte
mão que move agora
as águas na sombra.




quinta-feira, 14 de abril de 2016

já que falamos de dias de chuva





a chuva beija lentamente
os contornos.

é a altura
em que as luzes perscrutam
a sombra faminta.

é noite,
e atravessando a sua
suave depressão (ou será
apenas acalmia?) – o rumo retilíneo, inabalável.





sexta-feira, 1 de abril de 2016

poema da adolescência apropriado para o dia das mentiras





sinto que sabes:
o teu destino sou eu
algum dia virás
e juntos respiraremos a manhã

mas engano-me.

nem eu sinto
nem tu sabes

a manhã seria suja.




sexta-feira, 25 de março de 2016

um conjunto de linhas de potencial leitura numa loja do cidadão


´


senhas números balcões

todos os nomes todos
os factos
todas as palavras todas
as vidas

um dia
nem eu
nem o funcionário que me atenderá
nem o concidadão que a meu lado espera
existiremos

porém subsistirá
a conservatória do registo civil –
precária ponte
entre vivos  mortos e por nascer
estendida  sobre a eternidade.




segunda-feira, 21 de março de 2016

em jeito de trava-línguas, três tristes poemas-teste





Mudou a hora.
Acertei todos os relógios da casa.
(O da cozinha, o de pulso, o despertador do quarto, o telemóvel).

Apercebi-me:
só temos dois acertos de hora por ano
para responder ao eterno sem-sentido de aqui estar.



**



Irrecuperável

Vou venho
conduzo caminho pago um bilhete.
Enquanto atrasado conto os minutos
e penso no que dizer a quem certamente me esperará
olho um qualquer espelho,
de uma casa loja carro ou ecrã,
e vejo outro,
cujos passos não são os meus
cujos gestos desconheço
cujo tempo se silencia
numa serenidade que foge e foge
nos escombros de alguém que fui.



**



Na televisão

Inundações num país do terceiro mundo,
guerras nos sítios de sempre,
o presidente francês afinal tem uma amante:
pretextos para não me lembrar da tua cara
enquanto faço do meu sofá um trono.

Aventuras de um homem só,
memória como gume.